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No Brasil, Mulheres Empreendedoras Estão Prontas Para Reivindicar Seu Espaço

junho 27, 2021

Por Shirley Emerick and Bruna Sandrini

A distância que separa as empreendedoras Raissa, Iana e Priscilla ultrapassa 4 mil quilômetros. Cada uma, de uma região do Brasil, lidera seu próprio negócio, em diferentes setores. Uma escolheu a cidadania, outra optou pela educação e a terceira, tecnologia verde. Estruturaram negócios de impacto para provocar mudança no ambiente social brasileiro. Na gestão, no entanto, elas encontraram uma dificuldade em comum: provar o potencial do empreendedorismo feminino, com modelo de negócio robusto e ambicioso.

No Brasil, não há uma distância muito grande relacionada a gênero entre empreendedores em estágio inicial. Dados do Global Entrepreneurship Monitor, um consórcio em rede que fornece pesquisas sobre empreendedorismo em todo o mundo, mostram uma participação de 21,3% das mulheres, contra 25,6% para os homens entre negócios recém-criados. No entanto, elas são minoria quando se refere a empresas já estabelecidas, 5,4% contra 12%, para os homens, o que indica menor permanência das empreendedoras ao longo do tempo. Muitos delas ainda enfrentam dificuldades para obter financiamento e equilibrar os compromissos familiares e empresariais.

“Investi tudo o que tinha no meu negócio e dois anos depois deu tudo errado. Em 2019, me vi com a missão de inverter o jogo porque não era sobre mim, mas sobre os produtores rurais que confiavam no que já tinha sido construído”, conta Priscilla Veras, à frente do Muda Meu Mundo, uma plataforma de business inteligence que conecta pequenos produtores agrícolas a grandes varejistas, com todo o rastreio de informações socioambientais.

“Queríamos escalar o projeto, sem precisar provar a todo o momento a viabilidade do nosso negócio”, explica Raissa Kist, da Herself, que desenvolve calcinhas e biquínis absorventes ecológicos, fabricados com valorização da economia local.

“Empreender é uma jornada solitária e ser mulher empreendedora traz desafios adicionais, como a falta de representatividade e obstáculos na área de finanças, já que não somos encorajadas a aprender sobre isso”, comenta Iana Chan, da PrograMaria, que atua no ingresso de mulheres na área de tecnologia, fornecendo capacitação, criação de redes e conexão com o mercado.

Essas experiências tornaram-se o impulso necessário para se inscreverem no Programa de Aceleração Itaú Mulher Empreendedora, edição especial para empreendedoras de impacto, em uma parceria da International Finance Corporation (IFC) com o Banco Itaú e com metodologia única da Yunus Negócios Sociais e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entre quase 300 inscrições, seis negócios foram selecionados para uma experiência de bootcamps, mentorias e demoday. No total, a jornada, que foi realizada de fevereiro a junho de 2020, envolveu 60 horas de capacitação, 30 horas de mentoria individual, a criação de um pitch para potenciais investidores e acompanhamento de resultados.

Iana, Priscilla e Raíssa, junto com outras participantes do Programa de Aceleração Itaú Mulher Empreendedora, durante treinamento.
Iana, Priscilla e Raíssa, junto com outras participantes do Programa de Aceleração Itaú Mulher Empreendedora, durante treinamento. Foto: Elaine Coutrin

Para elas, a rede de apoio construída e alimentada nesse período foi um dos pontos fortes do programa. “Temos outras mulheres como referência, que conhecem nossas dores e nossa vivência, e isso fortalece a confiança”, diz Raissa. Essa interação é quase diária, na conexão e troca de mensagens pelo WhatsApp. “Somos um grupo de apoio inseparável e ainda conto com o acompanhamento dos mentores”, celebra Priscilla. Cada ideia nova é compartilhada e as vitórias são celebradas entre o grupo. “Criamos um ambiente para o exercício de vulnerabilidades, seguro para expor os desafios e perceber que não estamos sozinhas”, acrescenta Iana.

O programa foi executado durante a pandemia, e foi um exercício prático para a gestão dos negócios. A Herself aplicou os aprendizados de marketing, posicionamento de marca e branding e investiu no modelo online. As vendas cresceram 150% em relação a 2019 e os produtos ganharam projeção internacional, com a expansão para o Uruguai. O modelo de negócio está baseado na produção de calcinhas e biquinis absorventes tecnológicos, para desmistificar o processo menstrual e ser uma opção para as mulheres, reduzindo também o descarte de materiais na natureza. Os produtos são feitos de tecidos tecnológicos 100% nacional e a fabricação é local, feita em uma fábrica na região metropolitana de Porto Alegre que produz com exclusividade para a Herself.

O Muda Meu Mundo também experimentou um crescimento do impacto e das receitas a partir do melhor direcionamento do plano de negócios. A conexão de pequenos agricultores com redes de supermercados via a plataforma online foi a solução para escoar a produção nos períodos de cancelamento das feiras livres e isolamento social durante a pandemia. São 110 produtores com cadastro ativo, que dobraram suas vendas em 2020 e nos primeiros três meses de 2021 já registraram aumento de 50% na receita. A Aceleração, conta Priscilla, ajudou a dar o alinhamento para o negócio, até mesmo na forma de apresentação, e isso trouxe o aporte de um fundo de investimento e há conversas com outros interessados.

Para a PrograMaria, o ganho foi visível no número de mulheres atendidas como também nas receitas. O modelo de negócio conjugou o foco às empresas (B2B) com a consumidora (B2C) e assim os cursos contaram com um aumento significativo de alunas. Saiu de pouco mais de 700 mulheres impactadas em 2019 para mais de 4 mil em 2020. O fato de terem investido nos cursos online expandiu a base de atuação para todo o Brasil e trouxe ainda mulheres residentes de outros países. As receitas cresceram cerca de 270%. Com um processo comercial mais maduro, a PrograMaria atraiu o interesse de mais empresas para patrocinar bolsas para as mulheres que não tinham recursos e, com isso, potencializou seu impacto social.

O Programa de Aceleração Itaú Melhor Empreendedora surgiu das discussões entre IFC, Itaú e a Yunus, em uma proposta de selecionar negócios de impacto social já estabelecidos. “A escolha dos melhores parceiros foi fundamental para alcançarmos nosso objetivo de potencializar o poder transformador das mulheres”, explica Helene Meurisse, Oficial de Operações da IFC, responsável por projetos de assessoria técnica para instituições financeiras. O formato de mentorias, que discute os desafios específicos de cada negócio, e o acompanhamento pelo período de um ano após o fim do programa são dois componentes que trouxeram ganhos para as participantes e para os parceiros. Segundo Helene, o conhecimento detalhado e mais profundo do empreendedorismo feminino será aplicado em outros projetos.

O Itaú foi o primeiro banco privado brasileiro a lançar um programa de apoio ao empreendedorismo feminino. A proposta surgiu em 2013 da assessoria técnica da IFC. “A partir da visão de oportunidade apresentada pela IFC, começamos a fazer pesquisas e análises na nossa base de clientes feminina no segmento empresas. Hoje, por exemplo, nós temos uma meta pública de aumento do volume de crédito para mulheres empreendedoras, com acompanhamento e reportes periódicos”, explica Luciana Campos, Gerente de Sustentabilidade e Empreendedorismo do Itaú. Para o banco, a credibilidade e a capacidade de mobilização da agenda do empreendedorismo feminino pela IFC têm sido importantes na conquista de espaço no mercado. “Aumentamos nossa velocidade de reação às oportunidades de negócio e a parceria com a IFC endossa nossa estratégia de atuação interna e externa”, complementa.

No evento final do Programa de Aceleração, as empreendedoras incorporaram o aprendizado dos 5 meses em 5 minutos de apresentação a potenciais investidores. “Foi um momento marcante por evidenciar a evolução das empreendedoras e dos modelos de negócio pós programa, incorporando métricas de impacto nas estratégias e no discurso”, detalha Luciana. Foram 27 conexões geradas e algumas empresas e investidores fizeram contato com as empreendedoras. Os números de 2020 mostram que o impacto social foi significativo a este grupo e apontam para histórias de sucesso. Diferentes trajetórias e esforços revelam o potencial da mulher empreendedora no Brasil e também na América Latina.

Publicado em junho de 2021